quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O canhão do Albino

Que fosse todos os sábados, embora eu tenha quase certeza que tudo acontecia no meio da semana, mas sempre achei o sábado uma data especial, portanto, era sim no sábado. O areião da pracinha perto de casa, uma das tantas que já morei, era o palco de uma sagaz disputa, onde oito mirradas miniaturas de futuros craques de futebol, quatro pra cada lado, mediam forças para ver quem seria o dono do campinho.

O meu time era sempre o mesmo e entrávamos em campo sob uma ovação que condizia com o tamanho do clássico que disputaríamos, a torcida ensandecida contava com a participação da irmã do nosso atacante, e...bem, da irmã do nosso atacante, que clamava pelo início do jogo, e pela vitória dos guris da rua de baixo (nós).

O sistema de som (Cláudio, um gordinho um pouco mais novo que nós), anunciava efusivamente o nome dos atletas para a imensa torcida que se fazia presente:

- Entra em campo o time da rua de baixo: Zelando as traves e o bem estar das redes da goleira do time, Ricardinho (sim, eu era o goleiro); fazendo o areião levantar, botinando os adversários, o zagueiro é BelZebú. O carque do time, ele que joga com beleza e destreza, no meio campo está o Devagar; e no ataque o homem que trouxe consigo a maior torcida do clássico, o melhor atacante que o time da Rua de Baixo já conheceu, Cenoura.

Pronto, estávamos em campo, nossa estratégia consistia em uma uma única tática que era sempre aplicada á risca: chuta a bola pra frente e se sobrar o Cenoura guarda.

Enquanto mantínhamos conversas definindo a postura do nosso time, o gordinho começou a anunciar o time da Rua de Cima. Tudo estava na mais perfeita paz até ele anunciar o nome que não queríamos ouvir, o mais temido, o menos querido e mais feroz atacante que rondava o bairro: Albino. A confusão começou quando o dito nome foi anunciado. Não podíamos deixar, o Albino era um terror, e não condizia com nosso esteriótipo de franzinos atletas. Além do mais a faixa etária do nosso time era de oito anos e o Albino tinha 19, faço questão de escrever que o Albino tinha DEZENOVE anos. Era inadmissível, mas o que poderíamos fazer? Não havia um regulamento para o jogo, portanto, estávamos em desvantagem, clara e total desvantagem.

Sob nossos imensuráveis protestos, o Tamanduá (capitão do time da Rua da Cima), cedeu e declarou: “o Albino será nosso meio campo e não poderá fazer gol”.

Ufa! Aquela frase foi um alívio para mim, o Albino chutava tal qual o Roberto Carlos, que na época tinha um foguete na perna esquerda. Saldei ao Divino por ter me livrado da incumbência de barrar o melhor atacante que o bairro já viu.

O jogo começou, e o gordinho Cláudio transformou-se no árbitro. A cada lance ele manifestava-se com gestos efusivos, indicando que aquele gordinho cresceria afeminado, o que não nos dizia respeito, afinal era de fato um bom juiz.

Nossa tática começou a dar certo, o Cenoura era um fenômeno, fazia gols de todos os jeitos, de cabeça, joelho, barriga, peito, vez que outra até com o pé. Tem gente que jura ter visto o Cenoura fazendo gol de pescoço. Estávamos vencendo por 1x0. Gol de cenoura. O primeiro tempo acabou.

Fomos exaustos à casamata (a sombra de um pinheiro com poucas folhas), e faceirinhos que estávamos traçamos uma única estratégia: “Pelo amor de Deus vamos ganhar esse jogo, parece que o Albino ta meio bêbado hoje, vamos aproveitar”, eu falei. E de fato o Albino não estava no melhor dos seus dias, não tinha feito uma boa jogada e o Belzebú estava invocado, não queria saber de brincar, embora fosse uns 15 centímetros menor que o Albino, ainda assim estava jogando como se fosse um metro maior.

O jogo reiniciou e segurávamos o 1x0. Faltava menos de dois minutos para o jogo terminar, e sagrarmo-nos campeões do campinho. Foi quando tudo aconteceu. A bola estava nas mãos do Cedenir (goleiro do outro time), quando eu vi o Albino olhando-me com aqueles olhos de fúria, olhos que ofuscavam a minha visão e faziam-me tremer dos pés à cabeça. Eu sabia que algo de muito ruim aconteceria. O Albino estava tramando alguma coisa, e essa coisa não poderia ser boa.

O Cedenir lançou a bola com violência para o Albino que dominou-a no peito, desvencilhou-se do Belzebú com um jogo de corpo criminoso e apontou bem na minha frente, como se tivesse seis metros de altura, eu estava desprevenido, não contava com aquele acontecimento, eis que o Albino, mau caráter que era, desferiu um pontapé estrondoso na esfera futebolística, ali, em plena minha frente, a menos de dois metros de mim. O que aconteceu a seguir foi um milagre, sem dúvidas. Eu defendi. Defendi o chute poderoso do Albino, defendi com o face, é verdade, e em seguida consegui apenas ouvir o som do Belzebú afastando a bola para a lateral e o gordinho Cláudio apitando o final do jogo, antes de eu cair desmaiado, tendo tempo de ouvir alguém berrando eloquentemente: “Mas que defesa!”

Um comentário:

fran disse...

bem tua cara ricardinho..hauishiuahs
:D