quinta-feira, 28 de julho de 2011

-Quem és tu, o miserável?

-Sou aquele que te consome as entranhas. Aquele que faz de ti o que quer. Sou o que te transforma, o que te satisfaz, que te alegra, que te entristece. Sou o que te gasta e te poupa, te convoca, te provoca. Sou o teu maior anseio. Teu e de todos os outros.

-Quem tu é? Deus?

-Não, idiota.

-A Angelina Jolie?

-Não seria má ideia, mas não sou. As vezes tu me deseja mais do que a ela.

-Dinheiro?

-Quer emprestado?

-Não, to perguntando se tu é o dinheiro?

-Ah! Não sou especificamente o dinheiro, mas sim movido por ele. A ambição me mantém.

-Não sei quem tu é. Dá uma pista.

-Outra? Mas tu é burro hein.

-Logo.

-Zagueiros, dinheiro, laterais, dinheiro, volantes, dinheiro, meias, dinheiro, atacantes, dinheiro. Entendeste agora?

-Te some daqui, o sem vergonha.

-Tá bom, eu vou.

Minutos depois:

-Viu o tipo do babaca, querendo ofender o futebol. Onde já se viu.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

É só isso

Quando a vi, senti minha alma congelada. Senti que subitamente esfriou e subitamente esfriei também.
-O amor, - me disse ela - segundo os poetas, traz frio ao peito e gela o coração. Deves estar me amando.
Eu respondi:
- É inverno e estamos em Gramado. Aqui quando o sol vai embora fica muito frio mesmo. Não te acha guria.
Ponto final.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O mundo dá voltas, Aninha

Dentre todas as guriazinhas do colégio, era ela quem andava saltitando tal qual uma gazela nova, serelepe, pelos pastos verdes de uma tarde primaveril. Era ela que me resfolegava e que, coisa que é difícil, me deixava sem ter nada a dizer. Ela me intimidava com aqueles cabelos negros escorridos por sobre o ombro, ela me mostrava que mesmo aos 14 anos, um shortinho jeans azul exerce um poder arrebatador sobre a mente masculina. É claro que ela sabia disso.
Todo passeio dela pelo saguão na hora do recreio era um feito que reservava as maiores honras e atraia olhares embasbacados do público masculino e dolorosos do público feminino. Como trompas prenunciando uma guerra na idade média, quando ela resolvia sair andarilhar pelo recreio, os guris diziam:
- Lá vem a Aninha. Nossa! - e silêncio. Silêncio por que não era só de mim que ela tomava a fala, era de mim e de todos os guris. A turma toda calava e com os olhos vidrados e a respiração trancada, olhava ela passar, para só depois, esvaziar os pulmões, e então, alguns passos da Aninha para lá, declarar:
- Mas é gostosa essa guria.
Aninha nem sequer tinha o trabalho de olhar risonha para trás e agradecer o elogio com uma piscadela. Nos ignorava. Isso que éramos, ignorados pela Aninha, nada mais do que isso.
Naquelas alturas, a Aninha era um mulherão, dessas que crescem mais cedo.
- A Aninha engostosou antes – dizia o Toninho.
Certa vez,teve uma aposta.
- Eu duvido que tu vá trovar a Aninha – me disse o Shimia.
- Vale quanto? - perguntei.
- Um pão de queijo, uma 'espraite' e cola na prova de matemática.
Eu fui.
Lá estava ela, sentada, sozinha - que nem amigas ela tinha - lendo a Revista Capricho. As pernas morenas cruzadas, longas, firmes, tão firmes como são as pernas de uma guria de 14 anos que engostosou antes. Olhei-a de longe, engoli a saliva e fui, pé por pé, com o peito estufado e um olhar que dizia: “tu vai ser minha, Aninha”.
Meu tênis de amortecedor fazia: “puf” “puf”, um passo, outro. Quanto menor era a distância mais eu diminuía. Até que cheguei na frente dela, ali sentada no banquinho do lado da sala da direção.
- E ai guriaam?! - falei mascando um chiclé para parecer mais malandrão.
- Hm- ela bufou, levantou os olhos, viu que era eu e voltou a ler a Capricho.
- Posso sentar?
- Hã...não, né.
Fui embora, arrasado, sem o pão de queijo, a 'espraite', sem a Aninha e desonrado. Naquele ano eu peguei recuperação em matemática.

Antes de ontem, encontrei a Aninha no Nacional. Fingi que não a vi, ainda dói em mim lembrar daquele dia, sabe. Eu fingi que não a vi, mas ela me viu, e viu bem. Parou na fila do meu lado do caixa e abusando da minha visão periférica vi que ela me olhava. Olhava de cima a baixo. Eu demorei, mas cresci.
- Ricardo?!
- Ah, e ai Aninha.
- Quanto tempo! Nossa, nunca mais te vi. Como tu tá diferente guri - diferente nesse caso, só pode querer dizer bonito, por que se antes eu era feio, sendo diferente só posso ser bonito. Mesmo que não seja isso, eu pensei que sim.
- Arram, né.
- Bah, que bom te ver. Vamos marcar alguma coisa, hein.
- Arram.

Paguei meu tinto seco, e fui.

Não consigo dizer não a uma mulher, por isso, disse “arram” pra Aninha. Mas ela sabe que a dispensei. Sabe que o meu arram, quer dizer “nem pensar”. A Aninha levou um fora, ela aprendeu como é um se sentir humilhada, na fila do mercado Nacional.
A Aninha está gorda, cortou os cabelos, e nem de longe entraria naquele shortinho jeans de antigamente. Eu vibrei.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Falta de sentimentos

Por que me falta capacidade para escrever sentimentos? Mesmo que haja uma infinidade de tempo, uma folha vazia, um bom teclado e uma xícara de café quente, não consigo escrever sentimentos.
Logo eu, tão intenso em tudo, tão efusivo em minhas manifestações, tão eloquente em minhas declarações. Sou isso, ou penso que sou. Por que então, não consigo falar de sentimentos?
Minhas letras, ao que parece, não se deixam levar pela raiva, nem pela angústia. Não se levam pelo bem, pelo mal – mesmo que esses não sejam sentimentos -, nem ao menos o ódio me faz escrever. O amor já me fez. Segue me fazendo, o que me falta, é talento. Um texto que fala sobre amor deve ser tão peremptório quanto o próprio amor, e talvez aí esteja minha maior frustração, tenho opiniões, mas falta-me o poderio do convencimento. Diz lá no topo do blog, a retórica do não convencimento. Não sei convencer alguém a ler meus textos. Não sei convencer alguém a vender mais barato, não sei convencer a comprar. Não sei fazer alguém me odiar – mesmo assim as vezes consigo –, também não sei fazer alguém me amar. Não sei fazer ninguém chorar, e só as vezes faço alguém sorrir. Resumidamente eu não sei. Não sei o por que não sei e não sei se um dia saberei.
Um poema! Quem dera eu escrevesse um poema, e que esse poema fosse tocante, daqueles que congelam a alma, e afloram o sentimentos.
SENTIMENTOS! Sentimentosdemerdaquevãotomarnocu. Se eu escrevesse um poema, intitular-se-ia: “Não leia”. Aliás, não poria título algum, pois sabedores que todos são de que não sei falar de sentimentos, nem sequer leriam, quando vissem minha assinatura em um poema, e se, por ventura lessem, logo pensariam: “lá vem mais merda”.
Chego ao fim de mais um texto sem expressão, sem persuasão, sem característica, sem fundamento. Deparem-se e surpreendam-se com mais um texto sem sentimentos.