sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Jasmim





Que adiantava aquela vida absorta numa dimensão paralela, se não a tinha? Qual a emoção de viver em meio ao luxo, em meio ao lixo, de viver em um mundo cheio, se o único lugar onde gostaria de estar era naquele abraço, naquele beijo, naquela cama dividida ao meio. O por que de uma existência tão plural, se seu número almejado sequer passava do dois de um casal?
Vagava naquela noite, dirigindo seu carro portentoso a perguntar-se sobre essas questões pontuais da vida que acertam qualquer ser vivo em momentos oportunos, e buscando uma resposta em cada farol que o cruzava, em cada buzina que ouvia, em cada árvore que rasgava veloz os vidros laterais de seu automóvel. Não achou.
Cada vez que a lamentação profunda do saxofone daquele blues triste que ouvia, soava no som do carro, ele afundava mais o pé no acelerador, rumo a um futuro incerto de uma vida incerta. Até mesmo o sentido daquela melodia não existia, como não existiam os sons ao seu redor. O mundo resumia-se a uma paisagem sem qualquer extração. Estava vazio, porque seu coração assim estava.

Lembrou-se com um carinho irresoluto de cada afago, cada carinho. Das vezes com que mexeu na orelha dela e ajeitou o brinco ao ouvi-la reclamar do desalinho. Lembrou das noites comendo besterias e olhando filmes em preto e branco. Lembrou-se das pipocas e do cinema, das caminhadas naquele parque, dos sorvetes no verão. Lembrou-se de tudo como quem não quer esquecer. Mas ele queria.
Imerso naqueles pensamentos nostálgicos ele seguia, mas querendo acordar. Queria acordar para viver uma vida que escolheu viver, um futuro que pretendeu desfrutar, sem pensar no passado ou almejar um futuro. O que ele queria era apenas o presente, só ele e nada mais.

Foi o freio do carro que o fez voltar à vida. Quando aquele vulto atirou-se em frente ao seu carro, atirou o pé ao freio com um reflexo que não condizia com a imersão de seus pensamentos, e evitou o que seria uma tragédia. O susto lhe trouxe de volta à vida, ao mundo.
Estacionou o carro naquela rua que lembrava uma alameda e que, àquela altura da madrugada apresentava uma aparência um tanto funesta, e foi ao encontro de quem o havia acordado, descobrindo assim, o que não poderia ser diferente: era uma mulher (sempre elas as responsáveis por nos tirar e colocar num mundo de sonhos).
Ao avistar a figura que, altiva e sem qualquer nervosismo, permanecia no meio da rua, ele foi, outra vez, arrebatado. Era a mulher mais linda que havia visto em toda sua vida. Os cabelos negros escorriam sobre os ombos, acentuando o azul daqueles olhos, que destacavam-se ainda mais com a tez daquela pele alva. Os traços bem feitos, as curvas poderosas, aquela mulher era o que qualquer homem busca em um exterior. Mas havia um brilho naqueles olhos, um leve sorriso de canto de boca que garantia a ele: essa mulher é um sonho.

Ao perguntar se ela estava bem, ainda um pouco embasbacado com sua aparência, ele enrolou-se nas próprias palavras, mas, aos poucos, se fez entender. Ela percebeu o seu embaraço, mas agiu como se nada fosse e disse que sim, estava bem. Nem sequer se assustara.

Ele se aproximou. Havia um ímã que o atraí até ela. Sentiu cheiro de jasmim.

Ela o olhava fixamente com aqueles olhos mais azuis que o infinito, analisando cada gesto de insegurança que ele transmitia.

- Solta-te, rapaz. Veio até aqui e não sabe como agir? Eis que não é, então, aquele que busco? Claro que é. Te esperei pelo tempo necessário e tu está aqui pra ser meu, e pra me ter. Sabes, portanto, quanto tempo te esperei? Desde quando estou aqui? E de quão longe venho apenas para te receber?

Perdeu-se ainda mais o pobre sujeito ao ser arrebatado por aquelas perguntas. “Quem é essa mulher?”. “Louca?”. “Linda”. “Que cheiro de jasmim!”.

Ela deu um único passo e o alcançou, com a mão estendida e acariciou-lhe a cabeça ao mesmo tempo que lhe tascou um beijo daqueles que preenchem filmes franceses. Ao passo que tudo acontecia, ela, ao mesmo tempo despia-se com um furor típico da mais devassa das criaturas.
Sem saber como agir, ele apenas deixava-se levar por aquela criatura iluminada. Cada movimento, cada gesto, era controlado por ela.

Os olhos azuis pegaram-lhe a mão e o levaram para um parque que estava ao lado daquela alameda funesta. “De onde surgiu esse parque? Como nunca o vi antes”, pensava ao avistar, ainda que na escuridão, um local onde as flores assumiam todas as formas. Havia tulipas, girassóis, margaridas, orquídeas. Havia gérberas, lavanda. Havia jasmim.
Cada caramanchão era coberto por flores que nunca tinha visto, mas que tornavam aquele lugar um dos mais belos que já vira na vida. E foi ali, que, na grama molhada pelo orvalho deitou, atendendo a um comando dela e sentiu seu corpo ser montado pela lascividade daquela dama voraz.

Deixou-se amar como nunca. Sentiu-se amado como nunca. Sorveu daquele momento como quem sorve a essência da vida. Era ali que gostaria de estar pra sempre, naqueles braços que foram feitos para abraçá-lo.

Ao terminar aquele momento de fulgor, ela, deitada em seus braços, acariciou-lhe a face e declarou com voz macia:

- Estavas perdido até agora. Encontrei-te para ti mesmo. Cumpri meu papel e daqui por diante apenas faço-te um pedido: apenas seja. Tu pensavas apenas no que já passou ao longo dos últimos dias da tua vida, e de agora em diante pensas no presente, porque nesse momento eu sou o teu presente. Aqui estou para ser o teu presente, e para que o teu presente seja sempre o melhor momento da tua vida.

Ele prestou atenção em tudo o que ela falava e ao pensar sobre aquilo, adormeceu.


Acordou sozinho em meio àquele parque que já não era parque. Encontrou-se em meio a uma praça simples no meio de um lugar simples, ao lado de uma rua simples e entendeu que tudo aquilo fora um sonho, ou um devaneio. Talvez tenha bebido. Algo aconteceu e o fez despertar para a vida no presente, a vida no hoje, a vida na essência de como a vida deve ser. Sem reclamações, sem lamúrias, com saudades, mas sem desejos de voltar no tempo. Aquela mulher se fora, mas pra sempre ele haveria de sentir, no presente, aquele cheiro de jasmim.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Quatro copos




Quando ela entrou naquele bar, eu sabia que pediria a bebida mais forte que o dinheiro poderia pagar. Eu sabia que ela afundaria-se em um copo baixo, com três pedras de gelo, e que cada gole daquela bebida sem vida a faria sentir-se, contraditoriamente, mais viva e ao mesmo tempo mais triste. Aquele rosto era daqueles singulares, que não escondem emoção alguma, que transmitem ao mundo o estado em que o espírito se encontra. Talvez por isso eu tenha a sacado e tenha a achado tão interessante.
Ao mesmo tempo que um pedaço de mim queria se aproximar dela, conversar, dizer que aquela bebida não seria suficiente para fazer com aquela esquecesse os momentos ruins e sim um cara como eu, também queria ver até onde ela chegaria, estudando sua natureza que, como a de todo ser humano, tende à depressão, tende à tristeza e à insanidade.
Fiquei ali, parado na minha mesa, longe do balcão onde ela sentara e entornava agora o primeiro e profundo gole que a faria esquecer o passado por algumas horas. Eu sabia que cada virada daquele copo era um problema que descia pela sua garganta, amargo como rum, e pesado como bourbon. Por isso mesmo, segui sorvendo os goles saborosos da minha leve cerveja e prestigiando, como canalha que sou, a dor alheia.
Um, dois, três, no quarto copo seu semblante tornou-se tranquilo, como se só agora estive no estado normal de seu próprio ser. Ao que parecia, aquele jogo começava a ser empatado agora e ela precisava dos quatro copos de uma bebida forte qualquer para dar início à vida comum.
Agora sim era o meu momento de entrar em ação. O brilho no olhar daquela mulher era tão intenso e tão verdadeiro, que me fez ter a certeza de que ali estava alguém disposto a tudo, a viver, a morrer, a correr riscos. Quem sabe aquela mulher quisesse sexo com um sujeito tão limitado quanto eu. Era um pensamento mesquinho, eu sei, mas a mesquinharia faz parte de mim, como faz pare de todos os outros, e eu não me privaria daquele momento.

Quando eu me aproximei, percebi que ela, da mesma forma que eu, já havia me notado e, quem sabe, achou minha figura deplorável tão fascinante quanto a dela. Falamos de coisas bonitas, falamos do que acontecia em nossas vidas e principalmente do que não acontecia, porque é disso que as pessoas falam: do que não viveram e do que deixaram de fazer. Falamos o quanto nossas costas doíam e o quão velhos estávamos para demorarmos demais em um papo que ambos sabiam onde iria chegar. Ela disse que não, não haveria sexo, mas estava disposta a dormir ao meu lado naquela noite tão sozinha.

Claro que eu tinha segundas intenções e levei ela comigo, contudo, realmente não rolou sexo, mas rolou algo que há muito eu não sentia: calor. O calor do corpo dela foi suficiente para me fazer adormecer em poucos minutos e dormir o sono mais profundo e pleno em muitos meses. Ali estava uma mulher que não me faria apenas querer o que tinha no meio das pernas, ali estava uma mulher que me faria querer o mundo inteiro, o que estava no corpo e o que estava na alma.

E foi assim, senhoras e senhores que eu entendi uma coisa que nenhum poeta até então havia conseguido explicar. Assim, eu fui apresentado a um estado de espírito chamado amor.

(Essa história não é baseada em fatos reais)

domingo, 13 de julho de 2014

O homem imóvel





O corpo não se movia.  Tentou primeiro levantar o braço direito para que, como fazia todas as manhãs, esfregasse com força os dois olhos, dando início assim a mais um dia no trabalho infeliz, daquela empresa infeliz, em uma cidade infeliz, na sua vida infeliz. Mas não conseguiu. O braço não se mexeu.
É comum que a má circulação durante a noite devido a posição falha em que se dormiu, faça com que um braço ou uma perna não respondam aos anseios neurológicos, e isso não assustou. O que o assustou, e assustaria qualquer um, foi quando percebeu que não só o braço direito, como também o esquerdo, as duas pernas, o tronco, nada se mexia, absolutamente nada. Sequer a cabeça, o pescoço, não controlava os movimentos de qualquer que fosse o músculo do corpo, piscando apenas automaticamente e controlando unicamente a direção da visão.
Os pensamentos ainda lhe pertenciam e ele procurou desesperadamente uma solução para que pudesse voltar a se movimentar. Tivesse uma mulher, tivesse família, quiçá apenas precisaria falar, e tudo estaria resolvido, uma médico estaria no local  o examinando em poucos minutos, contudo, ele não tinha mulher, ele não tinha filhos, ele não tinha família, e tudo isso por uma questão de escolhas. Fora sozinho a vida toda, ou melhor, sua cama quase nunca estava sozinha, mas seu coração era pra sempre vazio.
Percebeu que nem a voz o acompanhava. Quando tentava falar, emitia apenas ruídos indecifráveis, ou seus ouvidos que não funcionavam mais. Não, os ouvidos funcionavam, pois ele escutava o som da cidade interpretando sua canção matinal que, dia após dia, repete-se, dando vida a um frenesi desgovernado, a um abrir de olhos diário, a um acolher pouco afável, mas sempre sincero e leal.
Tão logo entendeu que aquilo não era um sonho, lhe veio à cabeça a clássica cena da Metamorfose, de Kafka,  em  Gregor Samsa acorda e percebe ter se tornado um inseto. Haveria ele também se tornado um inseto? Não, tendo o controle sobre a visão, conseguia ver que seu corpo ainda existia estando apenas imóvel, inerte, mas igual.
Pensava, pensava, pensava e não conseguia encontrar solução para aquilo. Ninguém daria falta dele naquele emprego onde ninguém dava falta de ninguém ao exercer diariamente suas mesmas tarefas, como robôs que temem apenas o fim da vida e não o seu decorrer. Quem notaria que ele, um dos tantos seres insignificantes que habitam o globo, não estaria desempenhando seu papel previsível?
Ele não poderia contar com ninguém, ele não poderia contar com um ombro amigo, ninguém estaria ali para ele, como ninguém estivera ali para ele ao longo de seus quase 50 anos de vida. Uma vida puída e que agora ameaçava chegar ao fim, conotando uma existência falida e sem obra qualquer. Ele haveria de render-se ao fim como vivera: sendo um nada.
Enquanto a morte não chegava  - e ela viria em breve, montada num cavalo preto feito carvão – ele exercia a única função que a vida toda soubera usar mesmo sem saber externar: pensou. Ele era um ser extremamente pensante, contudo, não executante. Ele matutava, planejava, organizava mentalmente, mas nunca, jamais fazia. Era como se sua estratégia de vida fosse desligada da atuação, assim como agora seu corpo estava, por qualquer falha que fosse, desligado do seu comando.  Ele pensou muito ao longo da vida e viveu pouco. Não que tenha feito pouca coisa, não era isso. Acontece que ele viveu apenas pra si mesmo, viveu apenas buscando sanar as próprias vontades, os próprios instintos, como  um animal irracional – logo ele, um ser tão pensante. Enquanto isso acontecia, ele deixou pra trás os verdadeiros conceitos do ser. Ele esqueceu de compartilhar sorrisos, de externar sentimentos, de afagar, de brincar...de amar.
 Ali, imóvel naquela cama, ele chegou a conclusão de que, ao fim e ao cabo de tudo, nossa vida caminha assim, como alguém que não é capaz de mover o próprio corpo, fadada aos resultados de nossas próprias escolhas, resumida ao destino de cada caminho que tomamos. Ele percebeu, vendo-se naquela situação, que tudo dependia só dele até momentos atrás, e agora não dependia mais, agora, o jogo estava perdido como nunca estivera antes, e cabia a ele apenas esperar que a dureza da morte o amordaçasse definitivamente.
Ele entendeu que, durante anos e anos, esteve preso apenas dentro da própria cabeça, e não haveria morte mais condizente com ele do que essa: preso dentro da própria cabeça. Preso sem conseguir tomar qualquer decisão, preso esperando que, qualquer que fosse o fim, viesse logo e não dependesse de mais ninguém, por que depender dos outros, ele pensou: “é estar numa cama, sem conseguir mexer o corpo, imóvel e inerte. Depender da escolha e da decisão dos outros, é não conseguir sequer falar que poderia ter sido diferente”.


terça-feira, 1 de abril de 2014

Seis centímetros


- Guria, sem mentira, é deeeeesse tamanhão – revelou a Pri demonstrando a marcação de 23 cm em uma régua de 30. 

- Caramba, Pri, tu deu sorte hein. Eu não dava dez pilas pelo Almir, porque geralmente cara bonito tem pinto pequeno e ele esconde tudo isso dentro das calças.

- Sim, guria, quando eu tirei, tava assim, bem de pertinho, aquilo me atingiu o olho que quase desmaiei. Me assustei com aquilo, mas fiquei sendo, desde então, a maior defensora de que tamanho é sim documento; o Almir e aquilo tudo que o digam.

A conversa se dava na setor de atendimento, mas o Tobias, que era designer viu, ouviu e murchou. Enquanto ele tomava o cafezinho e avistava aquela conversa com conotações pra lá de eróticas teve seu sonhos despedaçados como quem vê se esvair o sangue do corpo ao levar um tiro no peito. Ele era apaixonado pela Pri; ela mesmo a Pri que há poucos dias havia degustado o pintão do filho da puta do Almir, que era redator da agência. Redator premiado ainda o filho da puta. Ganhou Cannes em 2012 e agora tava enfiando a porra da pica de 23 cm na musa do Tobias, outro filho da puta, mas esse menos filho da puta que o Almir, porque tinha um pintinho que duro não chegava a 12 cm.

Não, nem Sheakspeare seria responsável por tragédia tão grande, por fim tão dramático. Nem toda a obra compilada do Astor Piazzolla seria tão depressiva quanto aquela notícia e quanto imaginar a cena da Pri, aquela boneca de porcelana, tão branca, tão loira, tão ímpia chupando a porcaria da pica gigante do Almir, aquele filho da puta.

Tomou o último gole de café, que lhe desceu queimando a garganta e fazendo escorrer uma lágrima do olho. Essa lágrima não era ocasionada exclusivamente por causa do café, mas sim por causa de um coração ferido e, acima de tudo, por causa de um pau de 23cm e um Cannes de redação.

- Que que foi, Tobias? Que cara de mangolão é essa, meu? - questionou o Jackman quando ele voltou pra sala da criação com aquele olho vermelho e a cara de desamparo.

- O meu. Tu conhece alguém que já deu pro Almir?

- Bah, várias. Diz que o cara tem um pau que vai daqui até a Azenha (a agência era no Moinhos de Ventos). Mas sei lá, acho que é mentira.

- Não é mentira, meu. Não é mentira. O filho da puta tem uma pica grande e a Pri conhece.

- Cacete! A Pri deu pro Almir? Por isso que tu tá assim. Agora fodeu, meu, literalmente fodeu. Tu tem o pau pequeno, né?

- Ah, meu. Não é pequeeeno assim, mas não chega na Azenha. Se chegar no Bela Vista tá bom, já.

Enquanto falava, o Tobias teve uma ideia. Esperou dar o horário da saída, cagou pro Diretor de Criação que dizia que tava chegando job novo dali a meia hora, e foi-se embora.

O caminho até sua casa foi doloroso. Até o Bela Vista, ok, foi rapidinho, mas pra chegar na Azenha demoraaava. Que dor, que dor.
Quando chegou em casa, logo ligou o computador e digitou: www.tubovermelho.com tava lá o que ele queria. Não, ele não queria simplesmente se masturbar enxergando uma suruba entre loiras suecas e negros africanos. O que ele queria estava mais ao lado, bem a direita e dizia:

“Clique aqui e aumente seu pênis em até seis centímetros!”

O Tobias clicou. Pagar R$ 199 por seis centímetros a mais parecia uma troca justa. Ele preencheu todos os campos, deu o endereço da agência para a entrega, porque eram feitas em horário comercial e esperou.
Durante a noite sonhou quem uma tribo africana o havia sequestrada e o Almir era o seu líder. Todos eles ostentavam pênis que pendurados quase lhes batiam no joelho. Acordou assustado e aos gritos quando o Almir aproximou aquele monstro de sua face.


Aqui há um espaço de tempo no qual nada aconteceu e que não merece ser citado na história.



Passados três dias, o Almir entrou no setor da Criação carregando uma caixa e bradando aos quatro cantos:

- Com Big Cock você transforma o seu pintinho em um poderoso pintão! E hahahahaaha! Quem foi o brochinha que comprou essa merda?

Uma gota de suor escorreu da testa do Tobias. Como que o olho do cu do entregador deu aquela merda pro filho da puta do Almir caralhudo? Agora tudo tava perdido. Agora o mundo saberia que ele era um merdinha de pinto pequeno, embora fosse um razoável designer. Ele ficou quieto, como se não fosse com ele. Até deu risada lá pelas tantas, fingindo que nada sabia sobre aquela pitoresca encomenda. Só que o Almir sabia, mas o filho da puta do Almir foi ainda mais filho da puta e sabe o que ele fez? Não, ele não gritou pra todo mundo que aquilo era do Tobias. Nem, ele nem colocou no facebook. O que ele fez foi muitíssimo pior do que isso. Ele chamou o Tobias num canto e disse assim:

- Cara, eu vi que isso é teu, mas fica tranquilo que eu não vou falar com ninguém sobre isso. Fica só entre nós, meu velho. Beleza?

Olha que grandioso filho da puta era aquele Almir! Podia ter ferrado com a vida do Tobias, mas não. Ele resolveu ser legal, o que o tornava ainda mais olho do cu do que antes. Por que pessoas legais são absolutamente detestáveis.

O Tobias, sem saber direito o que fazer, pegou a caixa na mão, tirou uma pequena bomba de sucção de dentro e atirou o pacote pela janela, para que ninguém visse aquilo com ele. Só que ele havia esquecido de um detalhe muito importante: o manual.

Quando chegou em casa, o Tobias não sabia muito bem o que fazer, mas imaginou que o pau aumentaria se ele enfiasse a cabeça na entrada daquela bomba de sucção e puxasse um o outro extremo do aparelho, como se estivesse enchendo um pneu de bicicleta, só que ao contrário.
Ele fez aquele movimento por quase dez minutos e nada do pinto crescer. Até cresceu, mas é porque ficou vermelho como um pimentão e inchou por causa da dor.
O Tobias não queria saber se doía ou não. O que o Tobias queria era comer a Pri e para isso, ele precisava de mais seis centímetros. Sendo assim, ele repetiu o feito todas as noites, durante um mês inteiro.

Funcionou! A tal da bomba funcionou e o pinto do Tobias aumentou os seis centímetros prometidos. Agora ele ostentava um membro de 18 centímetros, rijo feito madeira de lei, imponente feito a Estátua da Liberdade e foi bem no dia em que ia convidar a Pri pra sair que o Tobias flagrou outra conversa dela com a Mari (a mesma da outra conversa):

- Ai, Mari. O Almir é bom, o pau é grande e tal, mas acho que to meio cansada, sabe. É tão grande que as vezes me machuca. Já falei pra ele que quero um tempo, e agora, acho que tudo o que eu queria era um cara com um pintinho de no máximo uns 15 cm. Pra mim chega da pau grande. Cansei.

É Tobias! A vida nem sempre é o que esperamos. Considere seu destino como prova de que há muitos que gostam do azul, mas antes de pintar-se com uma tinta da cor do céu, saiba que, ainda que em menor proporção, haverá aquele que prefira o vermelho e é nessa hora que o vermelho precisa, invariavelmente estar lá.




sexta-feira, 28 de março de 2014

Finjamos durante a Copa




A Copa do Mundo do Brasil será o maior e mais importante evento realizado em território nacional em todos os tempos. Não porque o Brasil é o país do futebol, e é. Nem porque o povo brasileiro é um dos mais alegres do mundo, e é. Menos ainda porque nossas mulheres são objeto de desejo de dez em cada dez homens ao redor do globo, e são. A Copa do Brasil será o maior de todos os eventos para nós brasileiros, pois mostrará ao mundo um país sem rumo e, quem sabe, mudará a trajetória de uma morte há tanto tempo anunciada.
Faltando menos de três meses para o início do maior evento esportivo já realizado em solo tupiniquim, existe apenas uma certeza: a Presidente do Brasil não se fará presente na abertura do evento, com medo de que retumbe um sonoro coro de vaias em réplica ao seu discurso. Veja que absurdos nós brasileiros somos. A chefe de uma nação tão alegre, temendo vaias depreciativas.
Obras que andam a passo de formiga, estádios que em seu limitado percurso de execução quase dobraram de valor, estrutura viária reduzida e a certeza de um trânsito abarrotado de veículos, pedestres, discussões, nervosismo. Obras inacabadas, empurra-empurra de responsabilidade. O famoso jeitinho brasileiro será escrachado ao mundo, um jeitinho safardana, um jeitinho irresponsável, um jeitinho imoral. Que pena eu tenho de todos nós vexatórios brasileiros.
Haverá festa, haverá euforia, haverá futebol do mais alto nível e, mesmo com todos os problemas, não haverá ser vivo nascido em terra verde e amarela que não vá torcer para que a seleção Canarinho fature o hexa, contudo, as notícias sobre desigualdade social, sobre corrupção, desvio de dinheiro público, miséria, precariedade da saúde pública nos grandes centros, a ausência de um sistema educacional decente...todos os nossos problemas correrão o mundo como pólvora, mostrando até aos evoluídos orientais o quanto pode ser pobre um país tão rico.
Joguemos futebol, que a bola cura tudo, daremos então um chapeuzinho nas doenças, um drible da vaca no desemprego, metamos a bola no meio das canetas da miséria. Façamos um gol na gaveta (sem alusões) da corrupção, e enfiemos uma goleada na desorganização de um país eternamente subdesenvolvido. Pensemos assim que dói menos.
Que o Brasil ganhe para que, no momento em que a seleção estiver levantando o caneco, vibremos feito loucos, finjamos que estamos em um país de verdade: a Alemanha, talvez, e que somos um povo evoluído, um povo educado. Esqueçamos, ao menos por alguns instantes que naquele mesmo momento, haverá um sertanejo pobre morrendo de fome, haverá um professor verificando sua conta negativa no banco, haverá filas e mais filas nos hospitais das principais cidades do país. Enquanto estivermos levantando a taça, mesmo que tentemos esquecer, o Brasil seguirá sendo apenas o Brasil.


sexta-feira, 21 de março de 2014

Ao som de Belchior




Na primeira vez ele não deu bola, afinal de contas mensagens erradas pipocam volta e meia no what's app, mas quando o segundo texto, em meio a madrugada chegou, a coisa começou a ficar estranha. O telefone vibrou alto no canto da cama e ele, ainda sonolento, tateou o colchão até encontrar o aparelho que ostentava a indicação de uma nova mensagem:

A noite fria me ensinou a amar mais o meu dia
e pela dor eu descobri o poder da alegria
e a certeza de que tenho coisas novas
coisas novas pra dizer

De novo Belchior”, ele pensou. Quem haveria de estar lhe enviando trechos de canções de Belchior? Por certo alguém que o conhecia bem, afinal de contas, seus verdadeiros amigos sabiam o apreço que ele tinha por aquelas antigas músicas do poeta bigodudo, mas nem a todos ele declarava seu incontestável amor por Belchior.
Aquilo estava estranho, e além de deixá-lo intrigado, também havia lhe tirado o sono,e enquanto rolava no colchão de um lado pro outro, pensou que, afinal de contas aquilo era bonito. Belchior era, em qualquer circunstância bem-vindo, fosse de dia, fosse de noite...fosse de madrugada. Quisesse o que quisesse aquela pessoa, havia alegrado a madrugada de um homem triste.

Por si só aqueles que ouvem Belchior possuem inclinação à tristeza, mas ele estava triste por um motivo real. Ele estava triste, pois seu relacionamento de mais de quatro anos havia findado por uma simples implicância, uma simples escolha errada. Então, ele entregou-se à amargura do sofrimento passional, afinal de contas ainda gostava da ex-namorada.

Andava o tempo todo de cabeça baixa, esquivava-se do sol, temia as pessoas. Era um bicho, recluso e mal tratado pelo sofrimento que só um amor interrompido pode causar. E agora aquelas mensagens. Não haveria coisa mais alegre para ele do que saber que havia ali um Belchior, que não era Belchior, mas pensava Belchior. Uma nuance de sorriso desenhou-se no seu rosto e ele fez questão de ligar o Ipod no stereo da sala e ouvir “A Palo Seco” a um volume que só aqueles que sofrem por amor podem aguentar.

Enquanto o poeta declamava:
Tenho vinte e cinco anos
De sonho e de sangue
E de América do Sul
Por força deste destino
Um tango argentino
Me vai bem melhor que um blues

Ele lembrava, lembrava-se das coisas passadas. Lembrava-se dos momentos e chorava, chorava como um criança abandonada, como um miserável retirante nordestino rumando para o sul, e o sol nunca é tão bonito pra quem vem do norte.

Dançou com a vassoura, abraçou os travesseiros, e fez amor consigo mesmo. Ali estava ele, sozinho em sua própria companhia e imerso em seus próprios pensamentos, indeciso entre a dor e a alegria. Ali estava ele, um paradoxo de sentimentos, um alegre sujeito triste. Ali estava ele.

No dia seguinte, as profundas olheiras de uma noite mal dormida estampavam-lhe a cara e todos no escritório pensaram que aquele seria mais um dia de pouca produtividade, pois ele, outra vez havia desperdiçado uma noite bebendo vinho e chorando a ausência da amada.

A verdade é que aquele seria sim um dia improdutivo, ele não escreveria nada, mas não porque estava triste. Ele apenas queria chegar em casa para receber de novo aquelas mensagens. Queria chegar logo para que seu próprio Belchior lhe endereçasse o trecho de uma canção, e alegrasse assim o seu dia.
O dia passou e ele não fez título para campanha alguma, contando apenas o minutos que arrastavam-se no relógio do computador. Até que foi-se embora.

Jantou um gorduroso hamburguer com batatas fritas e tomou uma coca-cola e, quando deitou-se outra vez na cama ele ouviu aquela voz. Não podia ser. Aquela voz era de um anjo, aquela voz vinha direto do paraíso e ele, certamente, havia morrido.

Eu era alegre como um rio,
um bicho, um bando de pardais;
Como um galo, quando havia...
quando havia galos, noites e quintais.
Mas veio o tempo negro e, à força, fez comigo
o mal que a força sempre faz.
Não sou feliz, mas não sou mudo:
hoje eu canto muito mais

Era uma mulher, uma mulher linda, pois aquela voz não poderia jamais ser de qualquer mulher que não fosse linda. Aquela voz revelava-se a mais bela voz que ele já ouvira em toda a sua vida. Bonita e triste ela era. Como todo amor, ali estava uma voz bonita e triste.

De onde vinha, que não do paraíso? Sim, vinha do banheiro. Mas o que? Como assim, do banheiro. Ele rumou aos tropeços até o banheiro, estatelando-se no solo ao sair da cama. Quando chegou no banheiro, não havia ninguém. Havia apenas ele mesmo, outra vez, em sua própria solidão. Mas a voz seguia. E ele entendeu.
Havia um duto no banheiro, e aquela voz vinha do apartamento ao lado do seu. Vinha de sua vizinha, alguém que ele jamais havia visto, mas que agora, dava o mundo para ver. Aquela voz fizera com que se esquecesse da tristeza e pensasse no amor de novo. Aquela voz fez com seu coração batesse outra vez. Sentiu-se vivo.
Era definitivo. Levantou-se e, determinado (e de pantufas) rumou até o apartamento vizinho. Tocou a campainha. Nada. Tocou de novo, nada. Tocou de novo, atendeu. Era o Belchior. Por Deus que era o Belchior, ostentando sua vasta bigodeira e seus cabelos já grisalhos. A aparência não era muito boa. Ele estava velho, mas era o próprio, Belchior ali, em carne, osso e bigode.

-O senhor é...Be...Be..Belchior?
- É o que parece, moleque. Entra, eu tenho uísque.

Sentados em um sofá de couro e marrom, eles falaram sobre muitas coisas, mas uma delas chamou mais a sua atenção:

- A idade me ensinou que a poesia sozinha não é nada. Com o tempo eu aprendi que não basta escrever, é preciso fazer. Eu falei tanto, eu amei tanto, eu cantei tanto, mas eu fiz tão pouco. É preciso fazer, rapaz. É preciso fazer.

Aquela frase abriu seus olhos de uma forma que tornou-o ainda mais fã daquele grande músico, e o aflorou sentimentos há muito reclusos.

    - Belchior! Quem estava cantando “Galos, Noites e Quintais” agora há pouco aqui?
    - Você não sabe mesmo? Não reconheceu a voz?
    - Eu conheço essa voz de algum lugar, mas é como se meu cérebro me privasse da informação. É como se minha mente me quisesse fazer esquecer.
    - Vá até aquela porta e veja, então.

    Era ela, mais linda do que nunca. Munida de um violão, seguia tocando e cantarolando:

    Quantas lágrimas sentidas e choradas
    Quase sempre às escondidas, pra nenhum dos dois saber
    Quantas dúvidas deixadas no momento, pra se resolver depois


- Resolvamos tudo agora, meu amor. Sejamos apenas nós dois. Vivamos somente agora. Entreguemo-nos a esse momento, e esqueçamos todos os pormenores, que nesse caso, são todas as outras coisas do mundo.
Amaram-se ali mesmo, no apartamento de Belchior. Reataram ali mesmo, e no seu casamento, todos comentavam:

- Que sujeito parecido com o Belchior aquele ali tocando violão.

Meu bem, o meu lugar é onde você quer que ele seja
Não quero o que a cabeça pensa eu quero o que a alma deseja


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A triste história de Dias Passados



Aquele sujeito vivia ontem. Não que vivesse especificamente no dia de ontem, mas vivia sempre no que já passou. Caminhava na rua com a certeza de manhãs que já se foram, esperando por outro sol que não o de hoje. Pensava na beleza da chuva de outro dia e fugia sempre da chuva do presente.
Tinha por nome de batismo Dias Passados e fazia jus a tal graça.

Seu coração batia um tanto atrasado, e seus olhos desconjuntados jamais olhavam para frente; tinham, por hábito, estar sempre voltados para o lado esquerdo, com se quisessem ver algo que já passou. Tinha complicações em função disso, mas nunca podia ir ao médico, pois o maldito doutor atendia apenas no dia de hoje e hoje ele não queria.

Dias Passados era um sujeito pra lá de peculiar, pois pra ele nada poderia ser feito hoje, tudo deveria ter sido feito no que já passou e aí, quando ele olhava pra frente ou pro agora, nunca havia feito nada no ontem. Era óbvio para qualquer um – menos para Dias Passados – que quando não se vive o presente não se tem histórias para contar no futuro.

E ninguém pode dizer que ele não tentou. Dias Passados tentou, certa feita, olhar pro agora. Foi quando conheceu uma bela senhora, que o fez tentar esquecer do passado. Tentou o fazer viver no agora, porque decretou que ou era isso, ou ele não a teria. Dizem que mulheres mudam a cabeça de qualquer homem, pois qualquer homem no fim das contas apenas procura por uma bela mulher que o conforte em dias difíceis e que o afague e o esquente entre os seios nos dias de frio.

Durante uma semana, duas semanas e até três semanas deu certo. Até os olhos tortos voltavam de pouco em pouco para o lugar. Houve, contudo, um problema. Nos primeiros dias o sexo era fantástico, com direito a inúmeras variáveis e a um desempenho digno de filmes eróticos. Porém, o passar dos dias foi amuando Dias Passados, foi tornando-o incompetente, primeiro, insuficiente depois, e impotente por fim. Uma única explicação bastava para justificar o caso: para ele, o que acontecia ontem era sempre melhor.

A adorável senhora deixou Dias Passados, como todos deixam seus dias passados para trás, ou como todos deveriam deixar. No fim das contas, não foi só ela que o deixou. Seus amigos não aguentaram e o deixaram, seus colegas não aguentaram e o deixaram. Os parceiros do futebol não aguentaram mais o Dias Passados com sua camiseta de um clube que já passara, errando gols atrás de gols, sempre porque a bola chegava antes, e o deixaram.

O mundo não se preocupava mais com Dias Passados. Todos o esqueciam, mas ele seguia perdido em meio a um mar de pensamentos...pensamentos esses de coisas que já haviam passado, pois para aquele único sujeito, os dias que passaram seriam eternamente melhores dos que os que ainda virão.