segunda-feira, 21 de julho de 2014

Quatro copos




Quando ela entrou naquele bar, eu sabia que pediria a bebida mais forte que o dinheiro poderia pagar. Eu sabia que ela afundaria-se em um copo baixo, com três pedras de gelo, e que cada gole daquela bebida sem vida a faria sentir-se, contraditoriamente, mais viva e ao mesmo tempo mais triste. Aquele rosto era daqueles singulares, que não escondem emoção alguma, que transmitem ao mundo o estado em que o espírito se encontra. Talvez por isso eu tenha a sacado e tenha a achado tão interessante.
Ao mesmo tempo que um pedaço de mim queria se aproximar dela, conversar, dizer que aquela bebida não seria suficiente para fazer com aquela esquecesse os momentos ruins e sim um cara como eu, também queria ver até onde ela chegaria, estudando sua natureza que, como a de todo ser humano, tende à depressão, tende à tristeza e à insanidade.
Fiquei ali, parado na minha mesa, longe do balcão onde ela sentara e entornava agora o primeiro e profundo gole que a faria esquecer o passado por algumas horas. Eu sabia que cada virada daquele copo era um problema que descia pela sua garganta, amargo como rum, e pesado como bourbon. Por isso mesmo, segui sorvendo os goles saborosos da minha leve cerveja e prestigiando, como canalha que sou, a dor alheia.
Um, dois, três, no quarto copo seu semblante tornou-se tranquilo, como se só agora estive no estado normal de seu próprio ser. Ao que parecia, aquele jogo começava a ser empatado agora e ela precisava dos quatro copos de uma bebida forte qualquer para dar início à vida comum.
Agora sim era o meu momento de entrar em ação. O brilho no olhar daquela mulher era tão intenso e tão verdadeiro, que me fez ter a certeza de que ali estava alguém disposto a tudo, a viver, a morrer, a correr riscos. Quem sabe aquela mulher quisesse sexo com um sujeito tão limitado quanto eu. Era um pensamento mesquinho, eu sei, mas a mesquinharia faz parte de mim, como faz pare de todos os outros, e eu não me privaria daquele momento.

Quando eu me aproximei, percebi que ela, da mesma forma que eu, já havia me notado e, quem sabe, achou minha figura deplorável tão fascinante quanto a dela. Falamos de coisas bonitas, falamos do que acontecia em nossas vidas e principalmente do que não acontecia, porque é disso que as pessoas falam: do que não viveram e do que deixaram de fazer. Falamos o quanto nossas costas doíam e o quão velhos estávamos para demorarmos demais em um papo que ambos sabiam onde iria chegar. Ela disse que não, não haveria sexo, mas estava disposta a dormir ao meu lado naquela noite tão sozinha.

Claro que eu tinha segundas intenções e levei ela comigo, contudo, realmente não rolou sexo, mas rolou algo que há muito eu não sentia: calor. O calor do corpo dela foi suficiente para me fazer adormecer em poucos minutos e dormir o sono mais profundo e pleno em muitos meses. Ali estava uma mulher que não me faria apenas querer o que tinha no meio das pernas, ali estava uma mulher que me faria querer o mundo inteiro, o que estava no corpo e o que estava na alma.

E foi assim, senhoras e senhores que eu entendi uma coisa que nenhum poeta até então havia conseguido explicar. Assim, eu fui apresentado a um estado de espírito chamado amor.

(Essa história não é baseada em fatos reais)

Nenhum comentário: