terça-feira, 26 de junho de 2012

Onde estão as minhas calças?


Era impossível que as calças pudessem ter sumido. Ninguém entrara ali, e ninguém sabia que estariam ali naquela hora. O que tinha acontecido? Uma sabotagem, é claro que fora uma sabotagem.
Como sairia dali com suas cuecas samba canção branca com coraçõezinhos vermelhos, meias a camisa azul claro e a gravata preta? O escritório inteiro riria dele? Aliás, o escritório inteiro não, a empresa toda, o prédio todo logo saberia do acontecido e ele seria o alvo das piadas mais infames que alguém poderia suportar.
Colocou a cabeça pra fora do arquivo morto e sussurrou:
- Mariana!?
Nada ouviu além do barulho ambiental, e um ou outro espirro a mais. Insistiu:
- Mariana!? Onde estão as minhas calças?
Nada.
Um plano, o Arnaldo teria que ter um plano, do contrário estaria arruinado, bem como o seu casamento que iria por água abaixo, junto com as malditas calças.
Depois de bater a cabeça oito vezes na parede, o Arnaldo resolveu apelar para a arma dos fracos: a espera. Sentou-se no chão, entre algumas caixas empoeiradas e lembrou-se que se tudo desse errado ainda teria a lembrança dos bons momentos com a Mariana. Aqueles beijos que lhe desceram o peito, dirigiram-se para a barriga que já estava nua e tão logo ela abriu seu cinto e baixou suas calças acomodou-se no lugar que ele esperava desde o começo. Que boca!
Melhor seria não imaginar aquele momento, pois como você sabe, as cuecas samba canção são como nada, e quando a libido aumenta, é como se nem o ar impedisse o amigão lá de baixo de se manifestar.
Só que tinha alguma coisa naquela lembrança que cheirava mal, e com certeza não era a Mariana, com aqueles cabelos dourados, e aquela pele de tez suave a aveludada, nem sequer aquelas pernas firmes sem qualquer adorno ou indicativo de musculação. Os seios fartos se acomodavam placidamente onde deveriam estar e até um pouco mais abaixo. Era uma mulher de verdade, não dessas que se vê na televisão. Era uma mulher daquelas que dá vontade de passar mais do que uma transa, e sim o dia inteiro.
O que cheirava mal era o Arnaldo lembrar que não fora ele quem tirara suas próprias calças e sim a Mariana. DESGRAÇADA! Levara suas calças consigo, sem dúvida de propósito, já fazia tempo que ela queria que ele terminasse o casamento, e essa foi mais uma de suas artimanhas para antecipar o divórcio do amante.
Com o sangue fervendo o Arnaldo lembrou-se do seu celular. Era claro, ligaria para a Mariana e ela devolveria a calça, ou ligaria para o Gonçalves, que sempre tinha uma calça sobrando no carro. Pronto, estava salvo, estava sal... puta que o pariu. O celular estava no bolso da calça.
- Eu mato a Mariana!
Já sem qualquer perspectiva de vitória, Arnaldo resolveu que faria a última coisa que lhe restava: sairia de lá, com suas cuecas de coração e com o coração na mão (que baita trocadilho). O Arnaldo poderia sair correndo, colocar um balde na cabeça, chegar até seu carro e sair como quem não quer nada, só que daí seria uma dupla vergonha, a de estar de cueca e de estar constrangido por estar de cuecas. Se era para ser o fim, ele assumiria o fim com ares de empáfia.
Abotoou a camisa, arrumou a gravata no pescoço, estufou o peito, puxou as cuecas um pouco mais para cima, baixou as meias pretas, enfiou o sapato, abriu a porta do arquivo e botou o primeiro pé na rua. Não havia ninguém. Quando colocou o segundo pé na rua, lembrou-se que havia retirado a carteira do bolso da calça e a colocado em cima daquela estante alta lá no fundo do arquivo, onde a Mariana o havia pelado e....
Santo Deus misericordioso! As calças também estavam lá. Tudo ficara claro como água para o Arnaldo, que lembrou-se de ter tirado as calças antes de consumar o ato com Mariana. Que momento tão alegre. Que êxtase divino. Aquilo sim era o ápice da vida de um homem de bem.
Vestiu suas calças de chino, estufou outra vez o peito, abriu a porta do arquivo e lá se foi.
Aquelas calças haviam salvado muito mais do que um casamento, elas salvaram o orgulho e a moral de um homem, o que quase sempre vale mais do que qualquer coisa.
A cueca branca de coraçõezinhos vermelhos era nova e até que combinava bem com a camisa azul, mas pensando bem, era melhor guardar aquele figurino apenas para a Mariana.

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