terça-feira, 15 de outubro de 2013

As melancias se ajeitam



Noutro dia, enquanto eu estava em Buenos Aires pensava no que muitos pensam quando estão em Buenos Aires: Jorge Luis Borges. Pensava no quão difícil é, para um sul-americano perpetuar seu nome nos anais da historia literária, valendo-se unicamente de talento, e enquanto pensava isso, bateu-me um desânimo por lembrar que mesmo os maiores autores brasileiros não têm sua obra vista como realmente influente ao redor do mundo. Aí pergunto-me: e eu?
É evidente que eu, em minha humilde insignificância, nem sequer almejo colocar minha obra literária (aqui há o espaço para risadas) nas estantes de livrarias do mundo todo e ter meu nome comparado ao dos maiores escritores que já existiram, por que a mim não falta uma coisa que falta a muitos: noção. O que acontece é que eu me sinto frágil quando percebo que, mesmo escasso, o dom da escrita é um dos únicos que tenho e ele não vai me levar a lugar nenhum. Entende o meu desespero?
Quando eu vejo, por exemplo, que o Fitzgerald escreveu o antológico “Great Gatsby”, com 28 anos, eu penso: “Deus do céu, o que esse mundo reserva pra mim?!”, aí preocupo-me exacerbadamente com o meu futuro, mas ao mesmo tempo me desgosto do presente, por que os anos doismil do Brasil são tão mais chatos do que devem ter sido os anos 1920 nos States, e me consolo um pouco.
Sabe o que? Eu me preocupo demais com o meu futuro por que essa é uma condição irrevogável do ser humano, e digo mais: há duas preocupações constantes na cabeça das pessoas; uma delas é com o passado e a outra é com o futuro. Por que o passado sempre foi bom e o futuro sempre precisa ser bom. Só que existe uma coisa chamada presente e é nele que vivemos. Que te parece?
A nostalgia do passado está tão entranhada no teu peito quanto está no meu, por que nós sempre olhamos pra trás e dizemos: “que tempo bom que não volta”, só que quando estávamos no tempo bom que não volta, olhávamos pra frente e pensávamos: “daqui cinco anos eu quero ser rico”, ou olhávamos mais pra trás ainda e dizíamos: “tempo bom que não volta”, outra vez. Ô coisa chata que nós somos.
Enquanto estamos olhando pra frente ou para trás, esquecemos que há uma ligação entre esses dois estados temporais, um momento no qual realmente podemos fazer as coisas, ou seja, um período de tempo no qual podemos saudar o passado e preocuparmos-nos com o que ainda está por vir. Chamamos isso de presente.

A vida é curta demais para que nos preocupemos com algo que já passou ou que ainda está por vir. O melhor é gozar o tempo todo, entendendo que com o passar do tempo e o andar da carruagem todas as melancias certamente se ajeitarão, e, mesmo que faça sentido, é por usar frases como essa das melancias que eu me preocupo cada vez mais com o meu futuro e me certifico que não chegarei aos pés de Fitzgerald, o que pouco me importa, afinal de contas, o Fitzgerald é passado, e eu, a partir de hoje, só vivo o presente.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O Fabuloso Mundo do Eumesmo

Na tentativa de livrar-se daquilo, ela vivia em terceira pessoa, deixando sua alma vagar pelos mais diversos confins, pensando que, ao imaginar-se Emma Bovary esconder-se-ia de si mesma dentro do único refúgio disponível e que jamais seria penetrado: sua mente.
Aquela mente imaginativa, toda cheia de muros, barreiras e portadora de um mundo único, impenetrável, o mundo do eumesmo. “Eis aí um lugar bom para se estar, o fabuloso mundo do eumesmo”, pensava enquanto violavam-na, enquanto execram-na de maneira débil, frívola e libidinosa.
Queria estar a vida toda naquele mundo alegre de seus próprios pensamentos, da sua própria concentração, seu mundo singular. Ali, dirimiam-se dúvidas, esvaíam-se sentimentos de ódio, de dor...a dor que lhe fulgurava o corpo, ali nem sequer existia. Estava sozinha ali, ou acompanhada por seres mágicos, seres que, diferentemente de todos os humanos que conhecia, eram bons.


sábado, 5 de outubro de 2013

A perseguição




Outro dia resolvemos passear, minha cachorra e eu. Preparamos todos os paramentos necessários e fomo-nos desbravar duas quadras além da nossa. Era um dia como todos os outros, o sol brilhava longe, fazendo com que o frio se espalhasse pelo corpo, e os dentes levemente tilintassem, o que não era o bastante para impedir-nos, a mim e à Ágata, que é o nome da minha cachorra, de sairmos de casa buscando os prazeres que nos aguardavam um tanto mais pra lá.
Tão logo nossa jornada iniciou, ao que saímos de casa e subimos uma primeira lomba forte, buscando dessa forma o fortalecimento de nossas panturrilhas e o preparo para o que ainda estaria por vir, avistamos aquele que, sorrateiramente, seria o algoz de nosso passeio, de forma ameaçadora e fugaz. Percebi, através de um olhar apurado que estávamos sendo seguidos, por aquele exemplar masculino.
Surpreendeu-me ter meus passos seguidos por ele, com aquela envergadura um tanto miúda e atarracada, preto, certamente, e usando uma camisa xadrez, uma vez que aquela região sempre fora segura e tranquila. Contudo, aquela não era ocasião para surpresa e sim para ação.
Discretamente andando, tendo minha pequena cachorrinha ao lado, tramávamos um plano para evitá-lo, ou melhor dizendo, despistá-lo nas curvas que seguir-se-iam. Não houve tempo.
Quando demos os passos seguintes, percebemos que ele, com sua furtividade, aproximava-se rapidamente, ameaçando-nos através de sua assustadora presença. Era tarde e eu sabia que seríamos alcançados.
A Ágata tremia e procurava disfarçar, como sem nem tivesse visto o vilão dessa história, mas agora nada mais poderia ser feito, a não ser o que eu fiz:
Bati meus pés nos chão de forma frenética e esbravejei: “sai pra lá, jaguara”. Ao que aquele atarracado linguicinha macho, escapou-se, veloz, voltando para sua casa, cujo portão do terreno ainda estava aberto, aguardando o seu retorno.