quinta-feira, 10 de maio de 2012

Crianças não gostam de Machado de Assis



Lembro-me tão saudosamente das salas de aula da Colégio Estadual Santos Dumont. É com um carinho irresoluto que lembro-me, pois foi nessa escola que aprendi quase tudo o que sei hoje. Durante as aulas de Português, por exemplo, aprendi coisas que até hoje estão impregnadas em meu âmago e são presentes corriqueiramente em minha vida.

Das coisas que os amados mestres me ensinaram lembro-me de artigos e pronomes, de gêneros e graus, de sujeito, verbo e predicado. Lembro-me de coisas que hoje compõe minha rotina diária de trabalho. Devo a todos os professores que pela minha vida passaram uma infinidade de agradecimentos, pois foram eles que, de pedaço em pedaço, construíram um pouco do que hoje carrego comigo, dentro deste cérebro que agora pensa na continuidade do texto que tu, meu amigo, lê neste momento.

Há tanto a agradecer, mas também há coisas que preciso contestar. Machado de Assis é uma delas. Por Deus, não há como ler Machado de Assis quando se é menos do que um adulto. Machado de Assis transcende o que um aluno normal, com pouca idade pode entender e aí acontece o que vem acontecendo com os jovens atuais: eles não gostam de ler.

Machado de Assis, Jorge Amado, Érico Veríssimo, são autores geniais, mas são autores que não geram qualquer tesão na juventude, pelo contrário, se tornam obrigações e tudo o que é obrigação é chato, ainda mais quando se está interessado em Harry Potter's, Crepúsculo's, Percy Jackson's. E é deveras saudável que a juventude se interesse por esse tipo de leitura fantasiosa, afinal de contas, todo livro é um livro e tudo o que te traz conhecimento deve ser louvável. O que acontece é que é precisa se empregar nas escolas livros de autores que façam a juventude gostar de ler, e não ser obrigada a ler.

É bem verdade que livros de fantasia norte americanos não enriquecem culturalmente tanto quanto a “Macunaíma” e nem podem ilustrar a um aluno o que é o Romantismo, ou o Realismo, ou seja lá de qual gênero literário felemos aqui. O que acontece é que eu, no auge de minha incapacidade também não fui enriquecido com essa literatura, pois não entendia bulhufas dela quando a tentei ler. Até hoje, depois de velho, algumas leituras que exigem maior atenção se tornam massantes para mim, mesmo que sejam pra lá de enriquecedoras.

Ler é uma atividade tão saudável, mais do que isso, é uma atividade prazerosa. Um bom livro pode gerar um prazer inenarrável, e o que é melhor, pode gerar conteúdo nas pessoas, e não racionalizar sua inteligência como é o caso de algumas redes sociais tão utilizadas pela vanguarda. É muito mais provável que se veja a juventude moderna enfurnada em frente a um computador, ou em frente a uma televisão, olhando séries americanas de vampiros, bruxas e lobisomens, do que em uma feira literária, e é por isso que acho assaz interessante a ideia de contratar Gabriel o Pensador para a patronagem de um evento literário.
Jovens precisam de exemplos, precisam de ídolos, ícones, heróis. OK, o Gabriel o Pensador pode não ter escrito músicas brilhantes, mas é um músico e esse fato por si só já o credenciaria a ter acesso direto às mentes juvenis que clamam por cultura. Acontece que além de músico, Gabriel é um pensador, com perdão do trocadilho. Gabriel é um cara com uma cultura fantástica, com um pensamento aberto e um raciocínio veloz. Do que mais precisam as crianças de hoje, se não todos os predicados do Pensador? Além disso, o músico também é escritor, e um de seus livros, voltado justamente para a infância moderna, já ganhou o Prêmio Jabuti de Literatura, o que o dá ainda mais moral.
O cachê, isso foi o que realmente pesou para que toda essa confusão envolvendo uma Prefeitura da Serra Gaúcha e o músico/escritor em questão fosse desencadeada. Alguns autores se sentiram menosprezados financeiramente, pois receberiam valores infinitamente menores do que o carioca Pensador. E daí? Qualquer dinheiro é pouco para incrustar o hábito da leitura, da educação, e da informação nas cabeças de uma cidade, e principalmente nas cabeças das crianças de uma cidade.

Gabriel o Pensador pode não ser um gênio como foi Machado de Assis e nem será lembrado ao longo da história como é lembrado Machado de Assis, mas em tempos de funk, sertanejo universitário, rebolation e poesias sem graça e sem vida, o Pensador pode erguer os dois braços para o céu e dizer: se há de se fazer cultura nas escolas, então que eu seja Gabriel Machado de Assis.

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