segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Um mar de aparências

O litoral gaúcho reserva surpresas inimagináveis. São centenas e centenas de quilômetros compondo algumas das menos favorecidas praias que esse mundo já viu. Há, é verdade, praias que possuem sua beleza peculiar, como Xangri-lá, outras são grandes centros, como Tramandaí, outras realmente são belas, como Torres, e há praias que não oferecem nenhuma dessas opções. Em especial, há uma praia que não oferece nenhuma dessas opções, e ela chama-se Arroio Teixeira.
A estória que segue fala sobre amigos, mas não amigos qualquer. Fala sobre amigos de Facebook, amigos de Instagram, daqueles que há hoje em dia, preocupados muito mais com as postagens na grande rede, do que em refestelar-se no Sereia's Bar, em Arroio Teixeira. Essa é uma história sobre o tempo que muda, e sobre as pessoas que, cada vez mais, mudam com o tempo.

Passava um pouco do meio-dia quando a Estrada do Mar levou-os diretamente para dentro de Arroio Teixeira, uma pequena praia do litoral gaúcho, pertencente a Capão da Canoa, essa sim, uma grande cidade. Em Arroio Teixeira as coisas são íntimas, as pessoas se conhecem, as ruas são ruelas, os amigos se encontram, os sentidos se aguçam. Vá lá que é uma praia feia, mas na companhia de amigos, todas as coisas se ajeitam e a vida sempre é mais bela.

-Puta que pariu que praia feia do caralho, Ramiro! - declarou solene, tão logo ingressaram na pequena praia, o Tamanduá.

- Não é feia, cara, só é pouco explorada – defendeu-se o Ramiro que, afinal de contas, havia sugerido o lugar aos amigos, e possuía uma singela casa na prainha.

- Cacete. Cadê as pessoas, cadê a galera, as festas, as músicas? Cadê a civilização? - emendou o Luís Pedro.

- Ah, meu. Arroio Teixeira tem seu charme. Não é muito bonita, mas a gente sempre acha o que fazer. Tem um monte de gente conhecida, e a gente pode comprar cerveja, assar uma carne, conversar. Há quanto tempo não nos reunimos? Quanto tempo que eu não converso com vocês? - seguiu Ramiro na defensiva.

- Mas tu tá muito veadinho, Ramiro. A gente quer muvuca. Como é que eu vou postar no Instragram que to numa merda dessas? - replicou o Luís Pedro.

-Nem tem check-in nessa porra de praia! - bradou o Tamanduá.

Ramiro, ao ouvir aquilo, silenciou. Não havia solução para o caso que se apresentava. A retórica praticamente não encontrava argumentos para convencer aqueles dois sujeitos de que Arroio Teixeira tinha algo a lhes oferecer. Ele conhecia os encantos de Arroio Teixeira, sabia que a praia fazia as pessoas felizes, porque era justamente uma praia onde as pessoas estavam felizes. Arroio Teixeira era uma praia de gente legal, mas não era uma praia de Facebook. Sendo assim, uma única alternativa plausível lhe restava; havia uma única saída para que seus amigos não o surrassem pela escolha da praia. Ramiro, mesmo reticente, com apenas um fio de voz, comentou:

- Atlântida é pertinho daqui.

Aquele comentário serviu para alvoroçar o ânimo dos presentes e lhes arrancar urros de contentamento. Atlântida sim era lugar para eles. Afinal de contas, não importa se o almoço é sardinha, o que importa é arrotar salmão. Assim, combinaram a estratégia: apenas dormiriam em Arroio Teixeira, e durante o dia, não arredariam pé da mais badalada praia do litoral gaúcho.

No primeiro dia de praia, as hashtags bombaram nas redes sociais, e cada foto dos amigos não tinha menos que 30 likes. #Atlantida #mulherada #loucuraematlantida #altonivel #ondeficaarroioteixeira?, manifestavam-se em cada legenda das milhares de fotos sem camisa que tiravam e postavam em redes sociais.
Aquilo sim era vida para Luís Pedro e para Tamanduá, porém, Ramiro não pensava assim. Logo no primeiro dia ele quase desabafou com os amigos. Quase lhes revelou que aquilo tudo era uma grande de uma putaria. Não era possível que para manter aparências preterissem Arroio Teixeira daquela forma. Não era possível que depois de tanta alegria vivida na popular Texa's Beach, ele simplesmente rumasse a uma praia vizinha para que suas postagens no Facebook fizessem mais sucesso, ou para fingirem que eram da elite social. Ramiro sabia que aquilo era fingimento. Sabia que essa elite social não lhes pertencia e pouco se importava com isso, porque a única coisa que importava a ele, era ser feliz. Era evidente que ele queria ganhar dinheiro, era sabido que ele trabalhava muito para buscar isso, mas enquanto isso não acontecia, ele colocava-se no seu lugar, e não era um mau lugar. Era um lugar de gente autêntica, gente que não negava o que era, que era feliz com o que tinha. Ramiro era um sujeito diferente.
Para evitar uma reação colérica diante daqueles dois babacas que Ramiro já não conhecia mais, levantou-se da mesa do bar de beira de praia que estavam, e com uma postura digna da mais alta nobreza, declarou a frase que jamais sairá da cabeça de Luís Pedro e Tamanduá:

- De nada adianta gozar com pinto dos outros!

Dito isso, Ramiro foi desfrutar de tudo aquilo que Arroio Teixeira tinha a oferecer. Luís Pedro e Tamanduá não tinham mais onde ficar e, assim sendo, retiraram-se do litoral gaúcho e voltaram para suas respectivas casas, afinal de contas, mentiras sempre duram pouco.



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