E se eu esfregasse uma
lâmpada mágica e um daqueles gênios azuis e de barbicha, que é
como eles são, os gênios, me dissesse, de forma pausada, versada e
rimada, que é como falam os gênios:
Acordaste-me vossa mercê por motivo qualquer
saibas
então que um desejo lhe realizarei
contanto
apenas que não lhe transforme em mulher
em
qualquer outra pessoa o transformarei
Contudo é
preciso que entendas
que não
mais que dois dias dura o encanto
e que
desde já não pague a prenda
quando o
vinho não mais passar por decanto
“Caramba!”,
pensaria eu, “Um gênio da lâmpada está propondo me transformar
em quem quer que seja, desde que não seja numa mulher, por dois
dias”. Que situação inusitada, que glória, que manifestação
terrena de todos os encantos divinos. Puta que pariu!
Contudo, passados os
dois minutos de êxtase, uma dúvida cairia como pedra sobre minha
animação incandescente: em quem eu vou me transformar?
É evidente que, se o
feitiço durasse a vida toda, ficaria mais fácil de saber em quem eu
me transformaria. Se quisesse falar inglês, me parece evidente que
eu escolheria um galã como Brad Pitt, Tom Cruise, Leonardo Di Caprio
ou Hugh Jackman. Não quisesse sair das terras tupiniquins, poderia
eu aprazer-me em me tornar Tiago Lacerda, Caio Castro ou Kauâ
Raymond. O problema seria quando acabasse o encanto. O tamanho da
frustração de ter sido um galã com grande fama durante dois dias
e, num dia cinza, acordar espreguiçando-me tranquilamente, rumar até
o banheiro, ainda embrulhado no meu pijama, deparar-me com o espelho,
pensando nele encontrar o meu belo rosto de galã e encontrar apenas
a mim mesmo. Que desgraça!
Não, galã de cinema
não. Um pensador de repente: um filósofo! Que belo seria que eu
fosse Platão, Aristóteles, Sócrates, ou até mesmo alguém um
pouco mais jovem como Nietzsche ou Schoenhauer, ostentando então não
mais do que 220 anos. É, me parece que com 220 anos eu já não
estaria na flor da idade e, é possível que nesses dois dias de
encanto eu morresse.
Nada de filósofo
antigo. E um escritor desses que eu tanto gosto. Se eu fosse Orwell?
Ou Hemingway, ou Fitzgerald? Ou Joyce? Ou London? Uau, que excitação.
Excitação é o caralho, que em dois dias eu não conseguiria
escrever nem um conto qualquer, então de nada me valeria mesmo.
E um músico? Ser o
Lobão por dois dias seria legal, ou numa euforia mais entusiasmada,
o Ozzy Osborune. Seria bacana ser o Ozzy por dois dias, para saber
como é ser uma estrela do heavy metal mundial, e depois não ser
mais, por que ser o Ozzy deve ser legal, mas ser o Ozzy pra sempre
deve ser cansativo pra caralho, por que quanto menos neurônios há
na cabeça de alguém, mais ele deve se esforçar pra pensar, e
pensar dá um trabalho do cão.
Devo estar chegando a
um denominador comum. Ozzy é uma boa escolha, mas... e se eu
morrer? Todo mundo que vê o Ozzy tem a impressão que ele vai cair
duro a qualquer instante. É certo que até agora o cara não se
entregou, mas vá que bem na minha vez isso aconteça? Ozzy out.
Puta que pariu, está
cada vez mais difícil escolher quem eu quero ser. Meu maior medo é
que a mim aconteça o que houve com Gregor Samsa, na famosa
Metamorfose de Kafka. Ser um dos personagens que eu citei acima por
dois dias e acordar sendo eu de novo, deve ser pior do que acordar e
ver-se transformado num Besouro. Assim sendo, me decidi:
- O da barbicha, me
transforma naquele guri metido a escritor, com 1,83 cm de altura, 76
kg, cujo nome é Ricardo e que, mesmo feio, desengonçado e meio
tabacudo, é o melhor que eu posso ser.