Diziam que o Figueira
era esquentado demais, que não podia ver um jogo de futebol sem
xingar juiz, jogadores adversários e até do seu time. Ele gritava e
gritava e gritava. A esposa evitava ficar na sala na hora do jogo e
vez que outra debochava: “Fala mais alto, amor, que eles não estão
ouvindo”.
O futebol era sua
paixão. Desde muito moço ele inseriu-se no meio, chegou até a
trocar alguns passes no São José, mas lá pelas tantas desistiu.
Foi ser Professor. Que desgraça na vida do figueira, poderia ser
jogador e ganhar uma fortuna; preferiu ser professor e
ganhar...deixemos assim.
Só que com quase 60
anos, a vida lhe ensinara muitas coisas e uma delas era quase todos
os macetes do futebol. Outra coisa ensinada pela própria vida é que
pode-se esperar tudo, até o que é estritamente inesperado, e foi
isso que aconteceu.
Certo dia, sentado na
poltrona de casa, o treinador do time falou com o Figueira.
O jogo era duro e o
adversário era cascudo. O primeiro colocado do campeonato, forte
postulante ao título e o empate arrastava-se até o início do
segundo tempo. Quando ele gritou do sofá: “Coloca o Novalgina, seu
burro!”. O treinador ouviu. Estampou sua face no retângulo da TV (
que agora TV é em retângulo e de plasma) e retrucou: “Se tu
fosse um técnico tão bom, tu saberia que o Novalgina tá com dor de
cabeça e foi poupado”.
Ele não entendeu. Como
assim que o treinador estava falando com ele. Gritou para o filho
mais moço: “o guri, essa TV é daquelas 3D?”. Não, a TV não
era 3D e o treinador realmente falara com ele, pois lá pelas tantas
falou de novo: “É contigo mesmo. Qual a sugestão que tu me dá?
Tenho que tirar aquele Adalto do time, ele tá com a cabeça na
ex-mulher, que terminou com ele semana passada e levou metade da
grana.”
A partir daí começou
um diálogo surreal:
- O Tomás tá no banco. Esse guri tem
futuro. Vi uns jogos dele no sub-20.
- Mas vou colocar ele na
fogueira? Precisamos ganhar o jogo, e o torcedor tá impaciente. Se
eu colocar ele, vai ter que ser pra resolver.
- Coloca ele. Essa
gurizada nova precisa ter responsabilidade
- É por tua conta e
risco?
- Sim.
- Vou colocar, então.
E o Tomás entrou.
No primeiro lance, recebeu a bola no meio campo, deu uma meia lua no
volante, driblou o zagueiro da sobra e acertou um chute na gaveta.
Golaço!
O jogo terminou com aquele petardo do Tomás e o
treinador foi ovacionado, enquanto o comentarista esportivo dizia que
ele tinha estrela. Em casa, o Figueira atordoado perguntava-se como
aquilo havia de ter acontecido? Que tecnologia era aquela que fazia
dois seres humanos conversarem assim?
Uma coisa, porém, era
certa. O Figueira entendia de futebol. O Tomás entrara, dera conta
do recado, e agora, enquanto o treinador era festejado, ele percebeu
que também em casa lhe agarravam o braço em comemoração. Quando
olhou para o lado percebeu o motivo daquela entusiasmada chacoalhada.
Viu o amável rosto da ordinária da sua esposa, com aquela maldita e
estraga prazeres boca falando:“Acorda Figueira, acorda!”.
Figueira
olhou para a TV e viu que o jogo terminara 1 a 0 pro time adversário.
O Tomás entrara em campo e no primeiro lance foi expulso. Aliviado
por não ser o responsável pela derrota, levantou do sofá, limpou a
baba que escorria ao lado da boca, e foi dormir na cama.
Nenhum comentário:
Postar um comentário