quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O Treinador do Sofá


Diziam que o Figueira era esquentado demais, que não podia ver um jogo de futebol sem xingar juiz, jogadores adversários e até do seu time. Ele gritava e gritava e gritava. A esposa evitava ficar na sala na hora do jogo e vez que outra debochava: “Fala mais alto, amor, que eles não estão ouvindo”.
O futebol era sua paixão. Desde muito moço ele inseriu-se no meio, chegou até a trocar alguns passes no São José, mas lá pelas tantas desistiu. Foi ser Professor. Que desgraça na vida do figueira, poderia ser jogador e ganhar uma fortuna; preferiu ser professor e ganhar...deixemos assim.

Só que com quase 60 anos, a vida lhe ensinara muitas coisas e uma delas era quase todos os macetes do futebol. Outra coisa ensinada pela própria vida é que pode-se esperar tudo, até o que é estritamente inesperado, e foi isso que aconteceu.

Certo dia, sentado na poltrona de casa, o treinador do time falou com o Figueira.
O jogo era duro e o adversário era cascudo. O primeiro colocado do campeonato, forte postulante ao título e o empate arrastava-se até o início do segundo tempo. Quando ele gritou do sofá: “Coloca o Novalgina, seu burro!”. O treinador ouviu. Estampou sua face no retângulo da TV ( que agora TV é em retângulo e de plasma) e retrucou: “Se tu fosse um técnico tão bom, tu saberia que o Novalgina tá com dor de cabeça e foi poupado”.


Ele não entendeu. Como assim que o treinador estava falando com ele. Gritou para o filho mais moço: “o guri, essa TV é daquelas 3D?”. Não, a TV não era 3D e o treinador realmente falara com ele, pois lá pelas tantas falou de novo: “É contigo mesmo. Qual a sugestão que tu me dá? Tenho que tirar aquele Adalto do time, ele tá com a cabeça na ex-mulher, que terminou com ele semana passada e levou metade da grana.”

A partir daí começou um diálogo surreal:

- O Tomás tá no banco. Esse guri tem futuro. Vi uns jogos dele no sub-20.
- Mas vou colocar ele na fogueira? Precisamos ganhar o jogo, e o torcedor tá impaciente. Se eu colocar ele, vai ter que ser pra resolver.

- Coloca ele. Essa gurizada nova precisa ter responsabilidade
- É por tua conta e risco?
- Sim.
- Vou colocar, então.


E o Tomás entrou. No primeiro lance, recebeu a bola no meio campo, deu uma meia lua no volante, driblou o zagueiro da sobra e acertou um chute na gaveta. Golaço! 

O jogo terminou com aquele petardo do Tomás e o treinador foi ovacionado, enquanto o comentarista esportivo dizia que ele tinha estrela. Em casa, o Figueira atordoado perguntava-se como aquilo havia de ter acontecido? Que tecnologia era aquela que fazia dois seres humanos conversarem assim?

Uma coisa, porém, era certa. O Figueira entendia de futebol. O Tomás entrara, dera conta do recado, e agora, enquanto o treinador era festejado, ele percebeu que também em casa lhe agarravam o braço em comemoração. Quando olhou para o lado percebeu o motivo daquela entusiasmada chacoalhada. Viu o amável rosto da ordinária da sua esposa, com aquela maldita e estraga prazeres boca falando:“Acorda Figueira, acorda!”.

Figueira olhou para a TV e viu que o jogo terminara 1 a 0 pro time adversário. O Tomás entrara em campo e no primeiro lance foi expulso. Aliviado por não ser o responsável pela derrota, levantou do sofá, limpou a baba que escorria ao lado da boca, e foi dormir na cama.


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