Dentre todas as guriazinhas do colégio, era ela quem andava saltitando tal qual uma gazela nova, serelepe, pelos pastos verdes de uma tarde primaveril. Era ela que me resfolegava e que, coisa que é difícil, me deixava sem ter nada a dizer. Ela me intimidava com aqueles cabelos negros escorridos por sobre o ombro, ela me mostrava que mesmo aos 14 anos, um shortinho jeans azul exerce um poder arrebatador sobre a mente masculina. É claro que ela sabia disso.
Todo passeio dela pelo saguão na hora do recreio era um feito que reservava as maiores honras e atraia olhares embasbacados do público masculino e dolorosos do público feminino. Como trompas prenunciando uma guerra na idade média, quando ela resolvia sair andarilhar pelo recreio, os guris diziam:
- Lá vem a Aninha. Nossa! - e silêncio. Silêncio por que não era só de mim que ela tomava a fala, era de mim e de todos os guris. A turma toda calava e com os olhos vidrados e a respiração trancada, olhava ela passar, para só depois, esvaziar os pulmões, e então, alguns passos da Aninha para lá, declarar:
- Mas é gostosa essa guria.
Aninha nem sequer tinha o trabalho de olhar risonha para trás e agradecer o elogio com uma piscadela. Nos ignorava. Isso que éramos, ignorados pela Aninha, nada mais do que isso.
Naquelas alturas, a Aninha era um mulherão, dessas que crescem mais cedo.
- A Aninha engostosou antes – dizia o Toninho.
Certa vez,teve uma aposta.
- Eu duvido que tu vá trovar a Aninha – me disse o Shimia.
- Vale quanto? - perguntei.
- Um pão de queijo, uma 'espraite' e cola na prova de matemática.
Eu fui.
Lá estava ela, sentada, sozinha - que nem amigas ela tinha - lendo a Revista Capricho. As pernas morenas cruzadas, longas, firmes, tão firmes como são as pernas de uma guria de 14 anos que engostosou antes. Olhei-a de longe, engoli a saliva e fui, pé por pé, com o peito estufado e um olhar que dizia: “tu vai ser minha, Aninha”.
Meu tênis de amortecedor fazia: “puf” “puf”, um passo, outro. Quanto menor era a distância mais eu diminuía. Até que cheguei na frente dela, ali sentada no banquinho do lado da sala da direção.
- E ai guriaam?! - falei mascando um chiclé para parecer mais malandrão.
- Hm- ela bufou, levantou os olhos, viu que era eu e voltou a ler a Capricho.
- Posso sentar?
- Hã...não, né.
Fui embora, arrasado, sem o pão de queijo, a 'espraite', sem a Aninha e desonrado. Naquele ano eu peguei recuperação em matemática.
Antes de ontem, encontrei a Aninha no Nacional. Fingi que não a vi, ainda dói em mim lembrar daquele dia, sabe. Eu fingi que não a vi, mas ela me viu, e viu bem. Parou na fila do meu lado do caixa e abusando da minha visão periférica vi que ela me olhava. Olhava de cima a baixo. Eu demorei, mas cresci.
- Ricardo?!
- Ah, e ai Aninha.
- Quanto tempo! Nossa, nunca mais te vi. Como tu tá diferente guri - diferente nesse caso, só pode querer dizer bonito, por que se antes eu era feio, sendo diferente só posso ser bonito. Mesmo que não seja isso, eu pensei que sim.
- Arram, né.
- Bah, que bom te ver. Vamos marcar alguma coisa, hein.
- Arram.
Paguei meu tinto seco, e fui.
Não consigo dizer não a uma mulher, por isso, disse “arram” pra Aninha. Mas ela sabe que a dispensei. Sabe que o meu arram, quer dizer “nem pensar”. A Aninha levou um fora, ela aprendeu como é um se sentir humilhada, na fila do mercado Nacional.
A Aninha está gorda, cortou os cabelos, e nem de longe entraria naquele shortinho jeans de antigamente. Eu vibrei.
3 comentários:
Baseada em fatos reais? Acho que sim, né... =P
Fora o realismo incrível do texto, ficou muitíssimo bem escrito, atrativo e agradável, como sempre, meu querido.
Grande abraço
Grande Fredi!
Te agradeço pelos elogios tecidos. Cara, um fundo de verdade sempre tem, mas no mais das vezes, eu conquistava as guriazinhas que me deslumbravam. auauhasuahsuahsu
Brincadeira. A história é uma ficção sim (e não me comprometa, rapaz!).
Abração, e mais uma vez, obrigado.
Adorei a história, e essas coisas são sempre assim, por incrível que pareça.
Parabéns pelo teu blog também!
Obrigada pela visitinha lá no blog e volte sempre ;)
Postar um comentário