O Cerezo começou na academia por que queria ser forte. É natural que o Cerezo quisesse ficar forte, afinal sempre fora magricelo e os magricelos sempre querem ser fortes em algum dia das suas vidas. Empenhou-se o Cerezo, comprou suplementos, foi regularmente à academia, todos os dias, absolutamente todos os dias da semana, sem excetuar finais de semana.
Fazia chuva, fazia sol, e lá estava o Cerezo, suando tal qual um porco defumado, malhando euforicamente, como se amanhã ou depois o mundo fosse terminar, e ele morrer magricelo. Ninguém parava o Cerezo. As anilhas eram escassas para tamanha força muscular e de vontade que o Cerezo estava adquirindo.
Estava ficando fortinho.
Eis que um dia aconteceu. Foi numa conversa de maromba, corriqueira na academia, onde todos analisavam-se diante do espelho, que o Cerezo descobriu. Quem revelou foi o Tonhão:
-O lado direito do peito do Cerezo é maior que o esquerdo. Que engraçado! Tu tem escoliose Cerezo?
NÃO!, Cerezo não tinha escoliose, era apenas, torto. Todos riram,e riram efusivamente da desgraça do Cerezo, que acabara de ganhar um novo apelido que ilustraria dali pra frente seus piores pesadelos, suas maiores aflições, suas mais temíveis angústias, e o pior, dali pra frente, seria parte do seu cotidiano.
- Mo-no-te-ta! O Cerezo agora é o monoteta – disse o Toledo, em meio as gargalhadas da turma.
Trocou de academia o Cerezo, porém, a fama havia se espalhado, todos sabiam, e o papo era sempre o mesmo quando ele cruzava a porta de qualquer academia: “lá vem o Cerezo, antigo magricelo e agora monoteta”.
Eram cruéis as pessoas, aliás, como todas as pessoas são. Todas são cruéis, e com o Cerezo eram ainda piores. Cerezo teve de desistir da academia. Abandonou a vida da maromba e entrou para a faculdade de letras, onde recebeu um novo apelido, dessa vez melhor elaborado e criado pela pior espécie de gente má que pode existir, estudantes de letras.
Aleijado mastológico, era o apelido. E aí sim o Cerezo doeu-se.
Cancelou os estudos e resolveu que entraria para a Igreja. Virou evangélico, e quando os irmãos viram sua anomalia, o encaminharam logo para o descarrego. Não era possível que aquilo fosse natural. O Cerezo era uma aberração e o provável era que ele carregasse o capeta consigo.
Ali também o Cerezo não se adaptou. Afinal, mesmo que não tivesse ganho nenhum novo apelido, ser exorcizado não fazia parte da lista de afazeres que Cerezo pretendia desenvolver antes de morrer. Saiu da Igreja.
E foi um dia, como que quando o destino lhe casou um desatino (e o joguinho de palavras??), que Cerezo cruzou na rua por Betina. Ela era linda, divina, lustrosa, reluzente, serelepe. Deslizava por sobre a calçada da rua como se flutuasse messiânicamente.
Betina tinha um seio maior do que o outro. Bem maior. O peito esquerdo.
Casaram-se os dois.
Tiveram uma vida feliz como nunca, amaram-se loucamente, a libido dos dois era instigante e insaciável.
Apenas terminaram quando a idade foi lhes abatendo e o Cerezo não pode mais apelar para posições sexuais arrojadas, cheias de movimentos, e teve de deleitar-se apenas com um papai e mamãe. E aí sim estava o problema. Assim que o peito esquerdo da Betina encontrava o peito direito do Cerezo, a genitália do rapaz fazia-se de curto alcance.
Quando botou Cerezo pra for de casa, Betina esbravejava aos gritos:
-Só a cabecinha não quero mais. Só a cabecinha não quero mais!
Um comentário:
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! Eu dei muita risada. Não sei bem o que é mais trágico, o grande mal com que nascera, ou o final da história que se revelou. Não se faz necessário saber. Muito bom.
Postar um comentário